sábado, 8 de setembro de 2012

Denise Bicca e a história da encantadora de cavalos dos Pampas

"O melhor do meu trabalho é a emoção indescritível a cada cavalo com quem começo uma relação. O momento em que todas as perguntas dele estão respondidas e se forma uma união e cumplicidade. Aí sim, me sinto completa e forte, pois é um momento só nosso: juntos somos um só e poderosos". (Denise Bicca)
Na edição do Informativo SEDA do último dia 31 abrimos espaço para contar a história e as histórias do “encantador de cavalos” Eduardo Moreira, o empresário que mudou a vida depois de cair de uma égua comprada pela Internet. Mas Porto Alegre também tem uma “encantadora de cavalos”. Denise Bicca é veterinária, professora de equitação, domadora e treinadora de cavalos de esporte e especialista na correção de traumas e desvios de comportamentos. “De tudo o que eu faço, o momento mais excitante é quando vou conhecer um novo parceiro de trabalho. Minha cabeça vai a mil por hora. O primeiro olho no olho, eu perguntando a ele até que momento é melhor respirar, me movimentar, que caminho prefere que eu escolha para chegarmos ao objetivo final. Ficar sempre a postos para responder todas as perguntas que ele tem para me fazer e, no meio dessas perguntas, ele me contando sua história com riqueza de detalhes”. Assim Denise define a sua relação com os cavalos.

A veterinária diz que em um redondel está totalmente disponível ao animal. Ao ser perguntada quantas horas do dia dedica a este trabalho, ela responde: “não trabalho”. Tira férias? “Não preciso”. Se tudo na vida de Denise é um sonho, outras pessoas também podem tê-lo: “Não sei se consigo convencer, mas, certamente tento contagiá-las”.


Clareza e gentileza

Quanto mais estuda, mais claro fica para Denise Bicca que cavalo não se doma. O que funciona para ela é buscar a construção de uma unidade através comunicação clara e gentil. “Deve-se criar um ambiente absolutamente positivo e estimulante para que o cavalo entenda, concorde e queira com nossas diretivas. Iniciar um cavalo é assumir a responsabilidade de levá-lo ao entendimento de nossas solicitações e permitir que ele assuma o compromisso de executar as tarefas, seguir as direções apontadas e manter as velocidades e andamentos solicitados, é criar um acordo de cavalheiros entre cavaleiro e cavalo, baseada na maior suavidade e síntese possível do primeiro de modo que se possibilite que o segundo responda de forma sublime e com a rapidez, presteza e virtuosismo que só um cavalo pode realizar”, ressalta.


Trechos da entrevista com Denise Bicca:

SEDA – Quando e como surgiu a tua paixão por cavalos?
Denise Bicca –
 Acho que já nasci com esta paixão, pois ainda lembro do primeiro cavalo que vi e até do cheiro dele. Foi em Caxias do Sul e eu tinha apenas 4 anos. Desde então, e para sempre, meu coração bate mais forte quando vejo um.

SEDA – E como esta paixão se tornou profissão?
Denise – 
Desde criança eu já dizia que queria ser médica de cavalos (não de bichos). Minha vida toda foi traçada em função deles, da escolinha de equitação em 1973, quando meu pai me levou ao Cantegril Clube, em Porto Alegre, para ter aulas de montaria, até a faculdade de Medicina Veterinária na UFRGS. De cahorros e gatos, só sei que latem e miam (risos).

SEDA – Quantos cavalos já passaram pelas tuas mãos?
Denise – 
Não tem como contar, e, se eu pensar somente no tempo em que me profissionalizei, em 1989, já são 23 anos treinando e dando cursos em todo o Brasil. Ou desde que montei o primeiro cavalo em 1973, já deve dar uma soma considerável, com certeza de quatro dígitos.

SEDA – O método aplicado é o mesmo de Monty Roberts ou tens algum segredo?
Denise – 
Na verdade existem muitos bons profissionais que trabalham com comportamento equino. Monty é um deles e, certamente, aquele que conseguiu chamar a atenção sobre um olhar e treinar mais de acordo com o comportamento e linguagem dos equinos aqui no Brasil, através do seu livro “O Homem que Ouve Cavalos”. Só para citar alguns profissionais que me inspiraram e contribuíram na minha formação: Pat Parelli, Tom Dorrance, Clinton Anderson, Jon Ensign, Buck Brabanann e o brasileiro Jango Salgado.

SEDA – Existe alguma diferença entre um encantador homem e um encantador mulher? Os cavalos sentem a diferença de sexo?
Denise – 
Na verdade, os cavalos sentem diferenças de muitas coisas, de mínimos detalhes, de suavidade de ritmo e afinidade, independentemente do sexo. Já vi mulheres trabalharem de forma mais rude e homens muito sutis e afinados com seus cavalos. Mas de uma forma geral, mulheres são mais delicadas que homens e, assim, o cavalo se sente mais confortável. Basta saber que na natureza o cavalo vive em rebanho e possui um líder, que é a égua mais velha. Isso prova que trabalhar com cavalos não é uma questão de força, e, sim, de experiência e sabedoria.

SEDA – Qual foi teu maior pesadelo num redondel?
Denise - 
Não posso dizer que tive pesadelos em um redondel, mas grandes desafios. O pesadelo mesmo é sempre quando saio dele (redondel), ou porque penso que poderia ter feito melhor para aquele cavalo, ou porque terei que entregá-lo para pessoas que não mereceriam estar com ele.

SEDA – E qual tua maior emoção?
Denise – O melhor do meu trabalho é a emoção indescritível a cada cavalo com quem começo uma relação. O momento em que todas as perguntas dele estão respondidas e se forma uma união e cumplicidade. Aí sim, me sinto completa e forte, pois é um momento só nosso: juntos somos um só e poderosos.

SEDA – Tem algum cavalo que marcou mais tua vida?
Denise – 
Nossa, todos eles. Pensei agora em uns 5 ou 6, mas vou falar do Elvis, um cavalo que descobri puxando carroça. Ele tinha vindo da Bélgica, custado o preço de um apartamento e foi desenganado para o esporte após sofrer uma queda. Por essas casualidades da vida nossos caminhos se cruzaram e o reconheci. Estava com um carroceiro, magrelo, cheio de bernes, carrapatos e piolhos, mas aquele olhar não tinha nada de coitado. Elvis sempre foi um guerreiro e acabei comprando ele por R$ 200 (o dono queria R$ 500, mas acabou concordando com minha proposta porque ninguém quis o cavalo por achá-lo muito feio). Nunca vou me esquecer do jeito que ele olhou para o caminhão que o embarcou para minha casa. Pareceu que estava embarcando para um grande prêmio. Elvis ergueu a cabeça e pisou firme na rampa, carregando sua magreza, piolhos e carrapatos com toda a determinação que sempre teve. Naquele momento aprendi o que é dignidade, que não depende do que fazem com a gente, é o que a gente faz com o que fazem com a gente. Elvis ficou lindo e muito forte, voltou a saltar e ganhou provas e campeonatos com muita facilidade. Virou sonho de consumo de muita gente (risos). Elvis viveu comigo até seus 30 anos de idade. Ano passado tivemos que nos separar. Foi um parceiro e tanto!

Quem quiser conhecer mais do trabalho de Denise Bicca, acesse os sites
www.horsemanship.com.br ou muiedoscavalos.blogspot.com.

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